Tuesday, March 07, 2006

A Filha do Faraó


Depois de meses passando por aqueles corredores escuros, Myrna já conhecia cada pilastra e lajota fora de lugar. Desde que os sonhos começaram, há 5 meses, ela se via incontrolavelmente atraída para aquele depósito escuro do Museu de História Natural de Black Bridge. Era a última vez que ela passava ali. Essa certeza invadia sua mente a cada passo ofegante pelo caminho. A luz fraca e amarelada da lanterna em sua mão indicava o ponto final de sua vida. O túmulo do Faraó Nyarlathotep refletia o ouro velho de outras eras, onde tudo o que Myrna West, a fervorosa estudante de história, acreditava ser sonho, acabou revelando-se como seu próprio passado.
Durante milhares de anos seu pai, seu verdadeiro pai, a esperou em um lugar onde somente os deuses encostam seus pés. Ele a prometeu para o futuro, e agora vai reencontrá-la onde não há tempo. Basta dizer as palavras. São apenas sons ininteligíveis, mas que são capazes de abrir portas fantásticas ao mundo de deuses perdidos em grãos de areia.
Quando a luz azulada começou a formar um feixe em torno da tumba Myrna viu uma sombra que supostamente não deveria estar lá. Era Duke, o velho diretor do Museu. Ele dirigiu seus olhos arregalados para a moça:
- Vou acabar com sua vida, vagabunda!
Myrna segurou com força os manuscritos em suas mãos. Ela havia conseguido chegar ali entregando seu corpo para aquele velho sujo, noites e noites, para ter acesso aos materiais que precisava. Ela tentou matá-lo várias vezes, mas sempre fraquejava. Naquela noite ela havia envenenado a água no escritório dele. Duke descobriu.
- Sua puta! Usou seus artifícios para me enganar. Tirou tudo o que podia e ainda tenta me matar. Guardar seus segredos de mim! Mulherzinha doente. Essa palhaçada acaba aqui!
Talvez seu ódio o cegasse, pois ele não havia notado a luminescência azulada que surgia sob seus pés. Um zumbido começou a ressoar pela sala, e milhares escaravelhos azuis surgiram através das fendas do teto. Duke saltou em direção a Myrna e apontou sua arma para o túmulo. Segurou a boca da filha do Faraó e gritou com horror. O Túmulo havia se aberto, e de lá, uma névoa cercava o corpo de uma sombra. Sua pele era inumana, quase transparente, seus olhos eram de um branco luminoso. Magra, alta e careca, a estranha figura abriu os braços e em seu peito, a forma de um gigante pássaro surgia como tatuagem. Duke atirou, quatro vezes seguidas, mas não surtiu efeito algum. O zumbido ficava cada vez mais insuportável, e Myrna fechou os olhos instintivamente. Sentiu seu corpo ser solto no chão, e uma ventania a cercava. Logo, em questão de segundos, ela abriu os olhos, e à sua volta nada mais estava lá. Nem o velho, nem a figura etérea, nem os escaravelhos. As paredes e o teto haviam sumido. O túmulo jazia vazio e silencioso, em um infinito de escuridão. Myrna se aproximou. Entrou naquele que teria sido o último refúgio de seu pai, o grande Faraó capaz de enganar o tempo. De enganar os imortais e assim tornar-se um deles. E garantir que sua filha surgisse em uma era onde todos seus templos haviam virado pó ou demonstrações vazias em museus. Ela entendia. Ele fez por amor. Era a condição imposta. Agora ela iria para o lugar onde ele estava. Ela entrou, cruzou os braços sobre o peito. A tampa fechou-se por vontade própria. E Myrna acordou deitada na areia branca de um deserto sem fim.

2 comments:

vicsamp said...

Sarah, fiquei de cara! Figura rara minha cara! Um dias serás cara...mas espero ganhar um, quando na fila de autógrafos, reconheceres... a minha cara...

Jorniilista said...

ou muito bom esse texto